XAPURI (AC). Durante curso recente de formação de
lideranças no Acre, um jovem seringueiro foi convidado a expressar, em desenho,
o que pensava sobre o futuro da Reserva Extrativista Chico Mendes, um bolsão
verde de 970 mil hectares que atravessa seis municípios e simboliza a luta
ambientalista no estado. O rapaz, de uma comunidade tradicional da floresta,
não hesitou: em traços rápidos, desenhou um prédio.
A reserva é um dos legados da tragédia de 22 de dezembro de 1988, quando um tiro de escopeta encerrou, em Xapuri (a 175km de Rio Branco), a luta de Chico Mendes contra a destruição nos seringais do Acre. Ele acreditava que a sobrevivência do caboclo dependia da mata em pé. Vinte e cinco anos depois, este sonho padece sob a pata do boi e a lâmina das motosserras. Enquanto a borracha sucumbe à lógica de mercado, a pecuária, a extração de madeira e a modernidade conquistam corações e mentes dos povos da floresta, incluindo seringueiros que lutaram ao lado de Chico.
A reserva é um dos legados da tragédia de 22 de dezembro de 1988, quando um tiro de escopeta encerrou, em Xapuri (a 175km de Rio Branco), a luta de Chico Mendes contra a destruição nos seringais do Acre. Ele acreditava que a sobrevivência do caboclo dependia da mata em pé. Vinte e cinco anos depois, este sonho padece sob a pata do boi e a lâmina das motosserras. Enquanto a borracha sucumbe à lógica de mercado, a pecuária, a extração de madeira e a modernidade conquistam corações e mentes dos povos da floresta, incluindo seringueiros que lutaram ao lado de Chico.
Até a entidade que o líder seringueiro presidia quando assassinado
admite agora como sócios dois filhos do pecuarista condenado por matá-lo.
Guinaldo e Darlyzinho, filhos de Darly Alves da Silva, punido com 19 anos de
prisão por ter sido o mandante do crime, estão entre os 3.500 sócios do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri. O atual presidente, José Alves da
Silva, disse que não havia como barrar os dois irmãos, já que preenchiam todas
as exigências legais de sindicalização. Com o aval do sindicato, Guinaldo e
Darlyzinho passaram a ter acesso a linhas de crédito rural.
— “Chico Mendes era um defensor da floresta. Mas não era o dono do
sindicato. O sindicato pertence aos associados. Não vimos motivos para eles
(filhos de Darly) não serem sócios” — argumentou o presidente.
Produção de 12 mil toneladas em 1990
despencou para 470 toneladas em 2012
Alves da Silva, um ex-seringueiro de 36 anos, disse que a chegada da
pecuária na região representou o declínio da borracha. “Hoje, afirma o dirigente, apenas
10% dos filiados à entidade continuam extraindo o látex, cujo principal
comprador local é a fábrica de preservativos masculinos Natex, construída pelo
governo estadual em Xapuri. A criação de gado, no entanto, mobiliza 80% dos
associados e consolida-se, de longe, como o carro-chefe da economia da região,
secundada pela indústria madeireira”.
“O que está acontecendo hoje no Acre não tem nada a ver com o sonho de
Chico Mendes, mas com o seu pesadelo” — lamenta o cientista social
Élder Andrade, professor da Universidade Federal do Acre (UFAC).
O drama a que se refere Andrade pode ser medido pelos indicadores
econômicos do estado. Dados do IBGE sobre extração vegetal informam que em
1990, logo após a morte de Chico Mendes, o Acre produziu 12 mil toneladas de
borracha natural. Em pouco mais de duas décadas, a quantidade encolheu para 470
toneladas anuais (2012). Na contramão desse ocaso, um estudo de Élder Andrade
revela que a pecuária extensiva de corte e a exploração de madeira praticamente
triplicaram em uma década. O rebanho bovino passou de 800 mil para quase três
milhões de cabeças. A produção de madeira saltou de 300 mil para um milhão de
metros cúbicos anuais.
Ao contrário da borracha e de outros produtos naturais, cujo mercado
paga pouco e a longo prazo, uma novilha ou tora de madeira retirada
clandestinamente é remunerada à vista. Um quilo de látex rende ao seringueiro
R$ 7,80. A lata de 18 quilos de castanha vale R$ 23 — as cooperativas pagam um
pouco mais aos fornecedores de castanha, mas só na safra seguinte. Já um
bezerro recém-nascido pode render ao seringueiro R$ 300, sem que ele tenha de
cumprir as jornadas exaustivas de trabalho na mata.
A madeira ilegal segue a mesma lógica. Se o mercado oficial paga por
metro cúbico certificado no Acre R$ 60, o mesmo produto, retirado
clandestinamente, pode render até R$ 350. As espécies mais procuradas são o
cumaru, a garapeira, a mirindiba, o cedro-rosa e a cerejeira. O ipê, mesmo em
áreas protegidas, já está próximo da extinção.
“Não somos contra a preservação, mas defendemos o direito das famílias
daqui à sobrevivência. Está provado que as grandes poluidoras do planeta são as
grandes mineradoras e a indústria petrolífera. Ninguém é reprimido. Quem tem de
pagar, então, é o pequeno produtor do Acre?” — critica Alves da Silva,
do sindicato de Xapuri.
Brasiléia: 32 marcenarias e nenhuma
área de extração legal
Em tese, a indústria moveleira do Acre só está autorizada a trabalhar
com madeira certificada, procedente de áreas de exploração regularizadas.
Porém, a engenheira agrônoma Silvana Lessa, chefe da Reserva Extrativista Chico
Mendes (governo federal), alertou que Brasileia, cidade vizinha à de Xapuri e
onde Chico Mendes iniciou a carreira sindical, abriga 32 marcenarias sem que
exista, em toda a região, uma única área de extração madeireira legalizada.
Brasileia é também o município do Alto Acre onde Osmarino Amâncio, o
serigueiro que chegou a ser apontado como sucessor de Chico e foi capa da
revista americana “Newsweek”, mantém a sua área ou “colocação”, a Pega Fogo, no
seringal Humaitá. No passado, era um dirigente conhecido pelos discursos
radicais. Hoje, pelos resultados da fiscalização da reserva, Osmarino tornou-se
um dos maiores fornecedores de madeiras ilegais da região. Foi punido, segundo
Silvana, com “multa gigantesca”, devido a 200 toras apreendidas. Processado
judicialmente, Osmarino nega o corte ilegal e se diz vítima de perseguição
política.
Criada em 1990, a reserva extrativista de quase um milhão de hectares
tem só sete funcionários para fiscalizá-la. Dentro dela, vegetais e animais
silvestres dividem espaço com dez mil pessoas e pelo menos 20 mil cabeças de
gado. O último levantamento, em 2010, apontava 7% de área devastada. Mas
Silvana Lessa admite que a extensão pode ser maior. Seus funcionários já
descobriram dois policiais civis loteando áreas da reserva e vendendo-as
ilegalmente em Brasileia, com anúncios nos jornais. Nos seringais Nova
Esperança, Santa Fé e Rubicom, o desmate já ultrapassa 50% do território.
“Alguns desses loteamentos clandestinos, que têm até registro em
cartório, se parecem com vilas rurais. Ali, um hectare de terra custa até R$ 1
mil” — lamenta Silvana.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/pais/na-terra-de-chico-mendes-borracha-perde-espaco-para-pecuaria-motosserras-11005552#ixzz2mv0nL2aP
Fonte: oglobo.com
Tom Sérgio, do Blog Jordão em Foco
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