Entre os 28 mandados de condução coercitiva cumpridos na manhã da
terça-feira, dia 22, a Polícia Federal levou três dos principais
executivos da empreiteira Odebrecht para prestar depoimento. Durante
algumas horas, eles tiveram uma amostra do que é a Operação Lava Jato.
Diante das perguntas feitas pelos investigadores e das provas
apresentadas a eles, os três tremeram. Depois de liberados, foram a um
encontro com o restante da cúpula da empresa. Pressionaram para que a
Odebrecht faça o que estuda há meses: colaborar com as investigações em
troca de salvação. Os três disseram aos colegas que, se a cúpula não
decidisse por essa saída, eles próprios iriam colaborar e, assim, a
derrocada seria certa. Até mesmo o patriarca Emílio Odebrecht ficaria
sob risco de cair. Consultaram até o ex-presidente Marcelo Odebrecht,
preso desde junho em Curitiba.
O grupo conversou sobre como a Odebrecht
vem sendo destruída pela Lava Jato – já perdeu R$ 5 bilhões em valor de
mercado. Tratou também dos processos danosos à empresa nos Estados
Unidos e na Suíça. Diante de tantas adversidades, Marcelo aquiesceu. Seu
pai, Emílio, decidiu.
A Odebrecht decidiu fazer um acordo de delação premiada.
A difícil
discussão é quanto entregar: se está disposta a dar o que a Lava Jato já
tem, para fechar casos, ou se vai abrir novos casos, com a revelação de
outros políticos, partidos e obras. Como é usual, a Odebrecht decidiu
começar por oferecer o mínimo possível. Os procuradores do Paraná não
ficaram surpresos. Eles já avançaram incisivamente na Odebrecht e tinham
convicção de que o dia da capitulação chegaria. De antemão, já sabem as
principais condições para negociar: que a Odebrecht desista dos
processos na Suíça, que impedem a remessa de provas de pagamentos de
propina a políticos de vários partidos e outros funcionários da
Petrobras e de órgãos públicos ainda não mencionados.
Em junho de 2015, ÉPOCA contou
o que a prisão de Marcelo Odebrecht representava. O pai de Marcelo,
Emílio Odebrecht, dizia a interlocutores próximos que “se prenderem o
Marcelo, terão de arrumar mais três celas: uma para mim, outra para o Lula e outra para a Dilma”.
Os investigadores tinham noção do tamanho do estrago que a prisão
poderia causar – tanto que nomearam aquela 14a fase como Apocalipse.
Mudaram para Erga Omnes para não espalhar o pânico. A Odebrecht é a
maior empreiteira do Brasil e multiplicou por seis seu faturamento nos
governos petistas. No conjunto de provas que levou à prisão de Marcelo,
há o caminho das propinas pagas no exterior pela Odebrecht para vários
diretores da Petrobras. O Ministério Público estima que, junto com a
Andrade Gutierrez, a Odebrecht tenha gasto cerca de R$ 764 milhões
nisso.
A Odebrecht já se comprometeu, no acordo de delação por vir, a entregar
provas para a investigação sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, a quem contratou para fazer diversas palestras pelo mundo, e
fornecer provas de financiamento ilegal de recursos para as campanhas da
presidente Dilma Rousseff, inclusive a extensão total dos pagamentos ao
marqueteiro do PT, João Santana, no Brasil e no
exterior. Os procuradores já sabem informalmente o tamanho das provas
que seus colegas suíços obtiveram, mas a remessa não foi feita. Se a
Odebrecht colaborar, a remessa dos documentos será mais rápida. O
esquema descoberto pela Lava Jato será mais esmiuçado e comprovado.
“Eles (a Odebrecht) têm como facilitar o acesso a boa parte dos seus
comprovantes de pagamentos de que precisamos”, diz um dos principais
integrantes da Lava Jato.
Apesar da octanagem política do que a Odebrecht pode entregar, os
procuradores não têm pressa em negociar. A agenda da Justiça não é a
agenda da política partidária. Os procuradores pretendem negociar ao
máximo os acordos de delação e leniência para que avancem da maneira
mais vasta, profunda e benéfica possíveis. Isso inclui negociar
altíssimo valor de indenização para os cofres públicos, na casa dos
muitos bilhões de reais, a confirmação com mais provas de crimes já
levantados na Petrobras e a entrega de documentos e provas que esclareçam casos de corrupção em outros órgãos.
O último flanco que explodiu e levou à decisão dos três executivos da Odebrecht foi detonado pela Operação Xepa, a 26a fase da Lava
Jato, na semana passada. Na terça-feira, dia 22, os policiais foram à
rua em busca de provas levantadas a partir dos depoimentos de delação
premiada da secretária Maria Lúcia Guimarães Tavares,
presa em 22 de fevereiro. Ela fez uma revelação assombrosa: trabalhava
desde 2009 no Departamento de Operações Estruturadas, um disfarce para
um “departamento de propina”, onde
eram organizados pagamentos para esquemas de corrupção. O setor dispunha
de um sistema interno para lançamentos de pagamentos, o MyWebDay, e outro exclusivo para conversas criptografadas. As
revelações da secretária permitiram que os policiais conseguissem
indícios de pagamento de propina contra dezenas dos mais de 316
políticos apontados como beneficiários de
doações em planilhas apreendidas na casa do presidente da Odebrecht
Infraestrutura, e ex-presidente do grupo, Benedicto Júnior, na 23a fase
da Lava Jato.
Maria Lúcia estava havia nove anos sem tirar férias. Não podia se
afastar do “departamento de propina”, onde providenciava a entrega de
pagamentos em espécie a executivos do grupo Odebrecht que precisavam de
dinheiro para subornar políticos e funcionários públicos. No início, ela
foi auxiliada por advogados bancados pela empreiteira e não colaborou
com as investigações. Como havia uma infinidade de detalhes em
planilhas, os policiais pediram a renovação da prisão temporária. Na
carceragem, Maria Lúcia teve contato com o advogado Juan Marciano
Dombeck Vieira, que defende a doleira Nelma Kodama,
presa em Curitiba. Maria Lúcia assinou o acordo e prestou dez
depoimentos. Quando os advogados da Odebrecht chegaram para libertá-la,
Maria Lúcia já tinha ido embora. Saiu da Superintendência da Polícia
Federal no Paraná por uma porta lateral para escapar dos advogados da
empreiteira e seguiu direto para o programa de proteção à testemunha.
Maria Lúcia revelou que o departamento onde trabalhava mantinha um
cronograma rígido de pagamentos de propina. Executivos responsáveis por
contratos públicos solicitavam desembolsos. Havia uma senha para um
emissário do beneficiário final retirar o pagamento de propina em
espécie no local marcado. A secretária fazia contato com doleiros para
agendar as entregas de dinheiro. O doleiro mais acionado era Álvaro
Galliez Novis, sócio da corretora Hoya e sobrinho de Álvaro Pereira
Novis, ex-vice-presidente financeiro da Odebrecht.
Diariamente, a
secretária checava seu e-mail e o sistema para organizar quanto seria
necessário requisitar em dinheiro em espécie para cada cidade do país.
Outra secretária, Angela Palmeira, cuidava das entregas em moeda
estrangeira. Maria Lúcia não sabia quem eram os beneficiários finais.
Sabia apenas quem era “Feira”, um dos beneficiários mais frequentes.
Antes da prisão da secretária, a Polícia Federal já desconfiava que esse
era o apelido do marqueteiro João Santana, responsável pelas campanhas
presidenciais do PT desde 2006. No dia da Operação Acarajé, teve a
certeza. Em anotações de Maria Lúcia, havia o contato da mulher de
Santana, Mônica Moura, ao lado do apelido “Feira”. Ele confirmou a
identidade de Mônica e contou uma peculiaridade: ao contrário de outros
beneficiários da propina, ela pedia para alguém retirar dinheiro
pessoalmente na sede da Odebrecht em Salvador.
Tanto os sistemas de mensagens criptografadas quanto o de lançamento de
pagamentos foram destruídos pela Odebrecht em agosto do ano passado,
depois da prisão de Marcelo Odebrecht, presidente afastado do grupo, de
acordo com depoimento de Maria Lúcia. É mais um indício de que a
empreiteira destruiu provas. Isso só aumenta o custo do acordo de
delação.
Há indícios de propina para os principais projetos da Odebrecht fora da Petrobras nos últimos anos, que envolvem, entre outras, obras do metrô do Rio de Janeiro e de estádios da Copa, como o Itaquerão, do Corinthians. Há menção a pagamentos ao dono do bar do estádio Beira Rio, do Internacional, em Porto Alegre. Douglas Franzoni Rodrigues, administrador do local, é sócio no empreendimento de Anderson Dornelles, o ex-secretário pessoal da presidente Dilma Rousseff por mais de uma década. O “menino”, como Dilma o chama, trabalhou com a presidente por mais de 20 anos. Deixou o governo em janeiro, quando surgiram rumores de que a Lava Jato chegara a seu segredo. A delação da Odebrecht vai gerar ao governo, e a todos os partidos, incômodo muito maior do que já se viu.
Fonte: Revista Época (http://epoca.globo.com)
DIEGO ESCOSTEGUY E DANIEL HAIDAR
24/03/2016
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