BRASÍLIA
— As fraudes no seguro-desemprego acontecem debaixo do nariz do governo em
pagamentos indevidos a servidores públicos, sócios de empresas e ocupantes de
cargos eletivos, como prefeitos e vereadores. Auditoria da Controladoria-Geral
da União (CGU), prestes a ser concluída, descobriu que, no ano passado, pelo
menos 812 pessoas receberam o auxílio de forma irregular: 465 são funcionários
públicos, 107 tinham vínculo societário ou exerciam atividade empresarial e 240
foram eleitas e assumiram cargos no Legislativo. As fraudes resultaram em
prejuízo de R$ 2,5 milhões. O problema com o pagamento indevido de
seguro-desemprego a servidores públicos foi detectado pela primeira vez em
2011, quando uma auditoria da CGU identificou 1.242 servidores que receberam o
benefício irregularmente, mas nada foi feito no sentido de inibir as
irregularidades.
Na
auditoria de 2013, foram identificados pagamentos indevidos de
seguro-desemprego a servidores de vários ministérios, inclusive do Ministério
do Trabalho, que tem a missão de controlar os gastos com o benefício. Do total,
148 servidores estão na administração direta, e o restante está distribuído
entre bancos públicos, autarquias, fundações e universidades. Entre os
empresários que receberam o beneficio, 60 estão em São Paulo; 13, na Paraíba;
11, no Rio Grande do Sul; e dois, no Rio. O seguro também foi pago a três
prefeitos, 11 vice-prefeitos e 226 vereadores. Os nomes dos beneficiados não
foram divulgados pela CGU.
As
irregularidades foram apontadas a partir do cruzamento de informações relativas
ao pagamento do seguro-desemprego em 2013 com o banco de dados do
funcionalismo, que é controlado pelo Ministério do Planejamento. Também foram
utilizadas como fonte a base do CNPJ da Receita Federal e o cadastro de eleitos
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
MÁ-FÉ
OU FALTA DE CONHECIMENTO
Na
avaliação de fontes do Ministério do Trabalho, o problema ocorre principalmente
entre os concursados, que, por má-fé ou falta de conhecimento, negociam a
demissão no setor privado e entram com requerimento para receber o
seguro-desemprego, acumulando duas fontes de rendimentos com recursos públicos,
o que é vedado. Os técnicos alegam ainda que enfrentam dificuldades de acesso
ao banco de dados do Planejamento para verificar se os requerentes ao benefício
recebem remuneração da União.
Em
nota, o Ministério do Trabalho informou que foram abertos 122 processos
administrativos para ressarcimento ao erário, dirigidos aos respectivos órgãos
para apurar responsabilidades. Além dos processos individuais, a pasta
respondeu à CGU que foram instaurados outros 25 processos para que as
superintendências regionais de Trabalho apurem o foco dos problemas.
“O
Ministério do Trabalho e Emprego, antes do pagamento, cruza as informações com
os diversos cadastros e tem solicitando ao MPOG (Ministério do Planejamento),
detentor da base Siape (Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos
do Governo Federal), permissão para cruzamento automatizado das informações da
base de dados do sistema Siape com o seguro-desemprego, para que esse processo
de batimento ocorra no ato de habilitação e também no pagamento de cada
parcela, com a finalidade de coibir recebimento indevido do benefício”,
informou a pasta em nota.
O
ministério, no entanto, não informou as providências tomadas em 2011, quando a
CGU identificou o pagamento indevido do seguro-desemprego a 1.242 servidores
públicos. Também não divulgou valores eventualmente ressarcidos. Em nota, o
Ministério do Planejamento informou que não recebeu pedido do Trabalho sobre o
pagamento indevido do seguro a esses funcionários: “Quanto à auditoria de 2011,
não identificamos qualquer solicitação ao Ministério do Planejamento”, diz a
nota.
O
texto informa ainda, que, em relação a 2013, o Planejamento editou uma portaria
em julho do ano passado, determinando aos órgãos que exigissem dos novos
servidores, no ato da posse no cargo público, declaração de que não é
beneficiário do seguro-desemprego. Destaca também que foram iniciados os
trabalhos para integração dos sistemas dos dois ministérios, para identificar e
evitar eventual concessão irregular do seguro-desemprego. “Após análises das
equipes técnicas dos dois órgãos, e resguardada a política de segurança da
informação estabelecida para o Siape, foi estabelecido um novo modelo para
validação das informações sistêmicas que deve ser implantado ainda em 2014”.
O
pagamento indevido do seguro-desemprego tem sido recorrente, conforme atesta a
CGU, envolvendo trabalhadores do setor privado e servidores públicos. Em 2011,
por exemplo, dos 7,168 milhões de auxílios desembolsados, 53.903 foram indevidos,
um prejuízo aos cofres públicos de R$ 108,7 milhões. Foram detectados 4.609
beneficiários com vínculo empregatício ativo; 5.006 beneficiários do INSS, 22
mortos, 31.604 sem carteira assinada e, portanto, sem os requisitos para o
recebimento do seguro, além de 1.242 servidores públicos.
GASTOS
COM BENEFÍCIO CRESCEM 10% ESTE ANO
No
relatório da auditoria realizada em 2011, a CGU apontou “fragilidades” no
pagamento do seguro-desemprego e alega que os controles são “inadequados e
ineficazes”. O órgão destacou ainda o alto grau de rotatividade, de cerca de
80%, no quadro de pessoal do Ministério do Trabalho nos últimos anos, “que em
consequência afetou as atividades da unidade responsável pelo
seguro-desemprego”.
As
fraudes contribuem para aumentar as despesas com o seguro-desemprego, que devem
subir 10,35% este ano, atingindo R$ 35,204 bilhões. Para o próximo ano, o gasto
está projetado em R$ 40,262 milhões, alta de 14,36%. Os recursos para o
pagamento do seguro-desemprego vêm do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que
deve registrar déficit recorde de R$ 12 bilhões neste ano e de outros R$ 19,9
bilhões em 2015. A situação financeira cada vez mais complicada do Fundo tem
exigido constantes aportes do Tesouro Nacional.
Além
das fraudes, outro grande fator de pressão no rombo do FAT é a política do
governo de reajuste real do salário mínimo, que afeta também as despesas com o
abono salarial (PIS). Segundo dados do Ministério do Trabalho, enquanto a
inflação (IPCA) subiu 187% entre 2002 e 2013, o salário mínimo subiu 339% no
período. O processo de formalização do mercado de trabalho no Brasil e a alta
rotatividade de mão de obra também ajudam a elevar os gastos com
seguro-desemprego.
O
Conselho Deliberativo do FAT defende que o governo faça investimentos nas agências
públicas de emprego (Sine), tanto em sistemas quanto em pessoal, para que esses
órgãos sejam mais eficientes na intermediação de mão de obra, no encaminhamento
dos trabalhadores a cursos de qualificação e na avaliação prévia sobre o
direito dos requerentes ao benefício.
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